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Uma inocência de meio século.

Atualizado: 11 de mai.

Lá pelos idos de 1970 começaram a aparecer os primeiros hippies, da geração paz e amor. Adquirimos nosso primeiro aparelho de televisão na rua, da marca Empire. Depois que o antenista montou uma antena de mais de 20 metros de altura, a televisão começou a transmitir os primeiros sinais. Inicialmente, ainda era em preto e branco e transmitia apenas desenhos animados, telejornais e uma novela. Na Copa do Mundo de 1970, a sala de casa ficou pequena para tanta gente que queria assistir aos jogos da seleção brasileira. Nessa mesma época, lembro de ter ganhado uma bicicleta de adulto, uma Monark Olé 70.

Haja vista que a bicicleta que eu tinha, uma Monareta, era considerada de criancinha pelos meus amigos, eu tinha que me contentar com brincadeiras mais simples. Costumava brincar com forte Apache, bola dente de leite, revólver de espoleta, além de colecionar gibis. Também tinha algumas revistas Playboy, que conseguia com dificuldade no mercado negro, e as escondia bem para ninguém descobrir. Foi nessa época que comecei a descobrir os prazeres da masturbação, o que fez com que algumas páginas ficassem coladas. Paralelamente, também começaram as conversas e o interesse pelas garotas. Só depois de meio século, descobri o tamanho da minha inocência naquela época.

Pois bem, vamos aos fatos. A nossa rua tinha muitos garotos, tantos que dava para formar dois times de futebol, e futebol era a nossa brincadeira favorita. Jogávamos diariamente na pracinha da rua. Nada nos prendia em casa, a rotina era escola, casa só para dormir e para as refeições. A rua sempre nos chamava, era muita resenha com os amigos, muitas brincadeiras e muita interação. No sábado à tarde, lavávamos o carro do pai para dar uma voltinha à noite, e no sábado à noite, íamos ao clube curtir um som. No domingo, havia matinê, sempre em grupos: o grupo dos bolinhas e o grupo das Lulazinhas.

Foi nessa época que comecei a descobrir minha inocência em relação às garotas. Conversas e interesse nelas surgiram naturalmente. Na nossa rua, havia muitos amigos, mas também muitas garotas, e foi aí que comecei a notar um interesse diferente por elas. No entanto, ainda era muito inocente para entender tudo o que se passava.

Os anos 70 foram uma época muito especial para mim e para todos os meus amigos. Era uma época em que ainda havia muita inocência e pureza nas nossas brincadeiras e interações. Ainda sinto saudades daqueles tempos e das pessoas que fizeram parte da minha vida naquela época.

O nosso grupinho era composto por cerca de seis amigos, e fazíamos juras de amizade para sempre. Já começávamos a sair um pouco do nosso território - a nossa rua - em busca de novas aventuras, principalmente paqueras, o que acabava gerando confusões com garotos de outras áreas. Éramos todos muito tímidos em relação às garotas, embora não nos achássemos assim. As garotas da nossa rua não chamavam a nossa atenção - apesar de serem bonitas, nunca as notávamos. Só as garotas que não pertenciam ao nosso mundo nos interessavam. Assim, começamos a descobrir o mundo das paqueras e a nos aventurar em novos territórios.

Também havia garotas de outros colégios que não o nosso. Tinha um colégio em especial, o das Freiras, uma espécie de Sacré Coeur da nossa cidade. Lá havia uma turminha de garotas que sempre estavam juntas e que mais me chamavam a atenção, sim, pela beleza, humor e rebeldia. Eu sempre as observava sem jamais ter tido coragem de me aproximar. Acho que era orgulho ou medo de levar um fora, elas pareciam inacessíveis. Mas tinha um amigo dos mais chegados que tinha uma certa aproximação intensa e constante com essas garotas. Eu não conseguia entender o motivo para tanto.

O achegamento dele às garotas me fazia sentir ciúmes. Ele não era rico e eu não achava que ele fosse tão diferente de nós. Era apenas um tanto misterioso, pois às vezes sumia e tinha outras amizades além da nossa. Ele também parecia mais esperto para a idade e usava sempre calça comprida enquanto nós ainda estávamos de shorts e bermudas. Sentia uma certa inveja e também ciúmes pela deferência que ele recebia. O tempo foi passando, passando e a amizade entre eles continuava, mas não percebia nenhum relacionamento como um namoro padrão da época. Isso me levava a supor algo.

Será que eles namoram escondidos? Qual delas ele pega?" E assim, sentia a dor de cotovelo. Vez por outra, tentávamos arrancar alguma coisa, mas ele sempre negava qualquer tipo de relacionamento e, irônico, dizia: "É apenas amizade" e dava uma risadinha marota, o que nos deixava mais curiosos ainda. Só que na época, e em nossa concepção machista e maldosa, não existia amizade entre um homem e uma mulher sem interesse libidinoso. O tempo foi passando e a rua foi se esvaziando, com cada um tomando o seu rumo.

o contato se tornava cada vez mais raro e mesmo que tenhamos feito juras de amizade para sempre, o destino foi mais forte e nos distanciou. E com a distância, as lembranças foram se apagando. Depois de quase cinco décadas, retornei à minha cidade para prestar condolências no funeral de um amigo dos mais próximos. Senti amargura, tristeza e saudade da minha querida rua. Encontrei os pouquíssimos amigos ainda remanescentes daquela infância, adolescência e mocidade, e as lembranças explodiram em minha mente, tristonha e melancólica.

Para minha surpresa e um pouco de agrado, estava lá uma daquelas garotas que despertou em mim os primeiros desejos e paixões. Ao contrário do que aconteceu no passado, me aproximei e ela me reconheceu, recebendo-me com um singelo sorriso, o que me deixou extremamente radiante. Puxei uma longa e saudosa conversa, uma conversa com cinquenta anos de atraso. Falei da paixão que nunca tive coragem de declarar, porque ela nunca me dava bola. E então, rindo, ela disse: "Mas você nunca se aproximava da gente, era sempre aquele menino tímido".

"Você era muito fechado, até que as meninas te achavam bonitinho, mas te achavam tímido e careta, sei lá", risos. Quando a conversa está bem descontraída, eu lembrei do amigo por quem eu tinha ciúmes, pois ele tinha toda a atenção delas. Ela dá uma pausa, pensa um pouco e, ao recordar da pessoa, dá uma risada bem espontânea e fala: "ele era um bom amigo, só isso. Atendia aos nossos caprichos, compartilhava dos nossos segredos e era quem arranjava uns cigarrinhos para a gente". Fiquei ainda mais atiçado e perguntei: "cigarrinho como assim, cigarrinho?". Ela dá outra risada.

Maliciosa, ela fala: “bobinho”, e aí, bem baixinho no meu ouvido, diz: “baseado, ele sempre tinha uns baseados que dividia com a gente”, e dá outra risada. Meu Deus, quanta inocência a minha! Sim, era o início da geração hippie, a geração paz e amor. Os jovens estavam se libertando. Lembro desse meu amigo com o cabelo comprido, seus discos de rock e suas bandas favoritas: Led Zeppelin, Pink Floyd, Kiss. Enquanto eu ainda curtia Elvis. Então foi isso, ufa! Que alívio. Agora podemos recomeçar, antes tarde do que nunca.

A vida e a mudança das pessoas ao longo do tempo, mostra como as experiências de infância e juventude podem moldar a personalidade e os relacionamentos futuros. Também destaco a importância da amizade e da conexão com as pessoas ao longo da vida, saudosismo e nostalgia, mostrando como as lembranças da infância e juventude podem nos afetar mesmo após décadas. Ao retornar a minha cidade natal me deparo com uma antiga paixão de adolescência, com quem tenho uma conversa reveladora sobre a época em que eram jovens. Através das memórias compartilhadas, percebo como minha percepção machista e maldosa da amizade entre homens e mulheres era limitada e equivocada. A história nos mostra como é importante refletir sobre o passado e as concepções que tínhamos, para evoluirmos como pessoas.


teu.

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