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Do acampamento ao Kung Fu.

Atualizado: 11 de mai.

Muitos, muitos amigos para todos os momentos e diversões. Uns gostavam de peão, outros de furão, outros de marraia ou bola de gude, outros de pipa ou curica. Nós brincávamos de nego fugido, onde um dos participantes era escolhido como "capitão do mato" e os outros tinham que fugir e se esconder dele. A unanimidade quase toda era o futebol, e foi um hobby que compartilhai diretamente com três amigos, sempre alinhados. Liamos o que de novo surgia na única banca da nossa cidade e também em viagens à capital. O almanaque que mais gostávamos de ler era o dos Escoteiros Mirins, com as aventuras dos sobrinhos do Pato Donald: Zezinho, Huguinho e Luizinho e assim surgiu a ideia de um acampamento.

"Contava sempre com o apoio dos dois fiéis amigos leitores, ideia de que foi atendido. Marcamos a data e fechamos os preparativos para o nosso primeiro acampamento. No dia combinado, um deles chegou meio desconfiado e disse que a mãe não deixou. Ficamos desapontados e resolvemos ir apenas em dois. Quando já estávamos decididos e descendo a rua, quase dobrando a esquina, a mãe desse meu companheiro de aventura gritou: "Ei, aonde você pensa que vai com a mochila do seu irmão? Volta, pode voltar."

Sobrou apenas eu, o idealizador, e como teimoso que sou, continuei minha jornada. Depois de algumas horas de caminhada, comecei a sair da cidade, entrando na periferia e em seguida na zona rural. A estrada já era de terra, mas nada perto com a do gibi. Então, resolvi cruzar a cerca para me afastar da estrada. Depois de uns dez minutos um imprevisto aconteceu: minha havaiana arrebentou a correia. Tirei-a e tentei caminhar sem ela, mas os espinhos não toleraram. Minha salvação seria um prego, mas como encontrar um no meio do campo? Então, resolvi fazer o caminho de volta e, com grandes conquistas, cheguei novamente na estrada. Ainda tentando descer um pouco mais, encontrei um pequeno ponteão e um córrego. Resolvi descer até a água para me refrescar.

Sentado embaixo do ponteão, resolvi comer um pouco do suprimento que havia levado na minha lancheira escolar: biscoito cream cracker e ki suco de morango. E aí, quando comecei a saborear o meu lanchinho, ouvi um "ei, psiu, ei psiu". Olhei para um lado e para o outro e nada, mas aquela voz me era desconhecida. Então, uma voz falou: "Ei, aqui em cima". Quando olhei, quem era? Era a minha mãe, dizendo para irmos para casa.

Assim que chegamos, como sou muito teimoso, resolvi acampar no quintal da casa do meu avô, que era muito grande. E por que não pensei nisso antes? Pensei comigo mesmo. O dia já escurecia, então procurei um lugar próximo às bananeiras, amarrei o lençol e peguei a lanterna na mochila. Quando pegou o gibi, quem veio não foi o dos escoteiros, e sim o recém-comprado manual do kung fu. A decepção foi momentânea e passageira, haja vista que já tinha lido o dos irmãos escoteiros várias vezes, e o do kung fu, além de estar em alta nos cinemas, ainda não tinha lido.

Primeiras páginas folheadas ansiosamente já me faziam imaginar que ali não era um acampamento, mas sim uma escola de artes marciais. Corri para o meu quarto e, sem conseguir pregar um olho, idealizei minha nova atividade. Ao amanhecer, ainda com pão com manteiga na mão, corri até a casa deles e contei-lhes a ideia. Com entusiasmo e aceito imediata, ofegante e entusiasmado com o manual na mão, começou a colocar o plano em prática. Com um saco de areia, uma câmara de ar, cordas, pó de serra, tábuas e pneus usados.

Quando estávamos lá, sentimos que nossas roupas não estavam de acordo com o manual, então tive a ideia de usar algo parecido: pijamas. Sim, pijamas! Até que nossa mãe fez quimonos para nós, todos estavam de acordo. Começamos a aquecer e depois oferecemos as primeiras sensações. Primeiro, socamos o saco e a tábua com a borracha de câmara de ar até que nossas mãos sangraram. Depois, mergulhamos as mãos numa bacia com areia quente, bem quente, aquecida no fogão a lenha da minha avó.

E então começamos a fazer as posições, que eram bem difíceis. E tinha um detalhe muito importante: tínhamos que gritar, “kiai, kiai, kiai,” a cada soco, chute ou mudança de posição. Começou a gritaria e até os cachorros, o Baleia do meu avô e do vizinho, esperou a latir. O galo começou a cantar e foi um Deus nos acuda. Foi quando a vizinha apareceu gritando: "O que está aparentando aqui?". E logo em seguida, minha avó também chegou. Tive que interromper o treino por um instante para explicar tudo, e foi bem difícil.

Minha avó continuava chamando o nosso treinamento de "circo" para as amigas dela, o que nos deixava constrangidos. Tentávamos corrigi-la, dizendo que era uma academia de artes marciais, mais especificamente de Kung Fu, mas ela não parecia entender. Apesar disso, a nossa fama começou a se espalhar pela rua depois das primeiras semanas de treinamento e outros garotos da vizinhança queriam se juntar a nós. Chegamos a ter onze praticantes regulares e passamos a ser reconhecidos em outras ruas como os lutadores de Kung Fu, o que era um grande feito, já que os filmes de lutas estavam em alta nos cinemas na época.

As brigas também se tornam frequentes, com vários adversários querendo nos testar. Hollywood então resolve estragar nossa bem sucedida empreitada, mudando o gênero e tornando os lançamentos no estilo dos musicais, como Grease - Nos Tempos da Brilhantina, Os Embalos de Sábado à Noite e por aí vai. Começa um novo modismo, agora são os dançarinos que estão em alta, substituindo os lutadores. Obviamente, com todo o apoio das meninas. E por sorte, nessa mesma época, a indústria nacional, para competir com os filmes americanos, lança as pornochanchadas, que, por serem impróprias para menores de 18 anos, não eram problema - mas essa é uma outra história.



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